sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Abortamento habitual

1. Introdução
Aborto é definido como a interrupção da gestação antes de 20 semanas e/ou com peso fetal inferior a 500 gramas. Estima-se que cerca de 15% das gestações cliniamente evidenciadas resultam em abortamento espontâneo. Essa taxa pode chegar a 50% se forem incluídas as gestações muito precoces, não diagnosticadas.
Abortamento habitual é a ocorrência de 3 ou mais abortos consecutivos. De acordo com estudos retrospectivos, tem uma probabilidade de ocorrência de 0,3 a 0,8%, e a chance de perda de uma gestação em uma mulher com abortamento habitual é de cerca de 40 a 45%.
O diagnóstico e conduta nos casais com aborto recorrente não se constitui tarefa das mais fáceis. A etiologia é variada e nem sempre é possível estabelecer uma relação de causa-efeito confiável de modo a instituir um tratamento eficaz.

2. Etiologia
2.1. Fatores Genéticos
As anomalias cromossomiais constituem a causa mais freqüente de abortamento de repetição, estando implicadas em até 70% dos casos de abortamento espontâneo precoce (até 10 semanas) e 30% das perdas tardias (10 a 20 semanas). Estão associadas também à malformações fetais e retardo mental.
Um aspecto importante em relação às anomalias genéticas é a determinação da real incidência do abortamento de repetição com aneuploidia e com euploidia, tanto na população geral como no casal em investigação, através da realização do cariótipo do concepto abortado.
No caso de aneuploidia recorrente, que representa um erro da gametogênese ou da fertilização, o primeiro passo, se possível, é determinar o tipo de erro divisional ocorrido (Meiose I ou II). De uma forma geral, uma vez documentada a aneuploidia, pode-se indicar a realização de inseminações com gametas doados ou mesmo inseminações cronometradas, visto que estudos correlacionam aneuploidia e idade dos gametas.
Em caso de euploidia recorrente é imperativo o prosseguimento da investigação de outras causas de abortamento.
Cerca de 3 a 5% dos casais com abortamento habitual apresentam uma anomalia cromossomial, que pode ser diagnosticada através da cariotipagem em sangue periférico. Um aconselhamento genético é apropriado nesses casos, fornecendo, por vezes, um prognóstico em relação a futuras gestações.
• Translocações
• Rearranjo cromossômico balanceado
• Mosaicismo dos cromossomas sexuais
• Inversões cromossômicas
• Trissomias autossômicas no concepto (13;16;18;21 e 22)
• Outras
2.2. Fatores Ambientais
Tabagismo, consumo excessivo de café e álcool, exposição a gases anestésicos e tetracloroetileno parecem estar associados a um risco maior de abortamento. Alguns estudos têm associado a exposição ao pentaclorofenol e a deficiência de selênio como possíveis causas de aborto espontâneo.
• Tabagismo
• Ingestão de álcool
• Consumo excessivo de café
• Tetracloroetileno
• Isotretinoína
2.3. Fatores Endócrinos
A secreção inadequada de progesterona durante a fase lútea do ciclo menstrual e nas primeiras semanas de gestação tem sido implicada, por alguns autores, como uma importante causa de abortamento de repetição. O tratamento com progesterona exógena (supositórios de 50mg 1x/dia) ,clomifene ou gonadotrofina coriônica humana (hCG) têm sido amplamente utilizados na prática clínica, apesar de sua eficácia não ter sido comprovada em vários estudos realizados. O diagnóstico pode ser feito através da biópsia de endométrio e/ou dosagem de progesterona sérica.
Pacientes com diabetes mellitus descompensado e distúrbios importantes da tireóide podem apresentar abortamento de repetição. Porém, é pouco provável que alterações leves estejam associadas a perdas gestacionais consecutivas.
• Diabetes mellitus
• Doenças da tireóide
• Fase lútea inadequada / Deficiência do corpo lúteo (?)
2.4. Fatores Anatômicos
As anomalias uterinas podem estar relacionadas a até 15% dos casos de abortamento de repetição, sendo o útero septado a alteração mais freqüentemente associada.
Anomalias como leiomiomatose ,septo uterino, sinéquias intra-uterinas, hipoplasia uterina, útero unicorno, bicorno ou arqueado e exposição materna ao dietilestilbestrol podem levar à distorção da cavidade uterina e/ou alteração da vascularização uterina com fluxo de sangue insuficiente para o concepto.
O diagnóstico pode ser realizado através da ultra-sonografia, histerossalpingografia, histeroscopia e videolaparoscopia. O tratamento depende do tipo de alteração e deve ser individualizado para cada caso. Há um grande aumento da chance de manutenção da gravidez após a realização da metroplastia.
• Leiomiomatose uterina
• Sinéquias intra-uterinas
• Incompetência istmo-cervical
• Anomalias Müllerianas
• Hipoplasia
• Útero bicorno
• Útero unicorno
• Útero arqueado
• Exposição ao Dietiestilbestrol
2.5. Fatores Infecciosos
Apesar de classicamente envolvidas, não existem fortes evidências de que infecções bacterianas ou virais causem abortamento de repetição, podendo, talvez, desempenhar um papel secundário. Uma incidência aumentada de títulos de anticorpos IgG para Clamydia tem sido encontrada em mulheres com abortamento habitual, mas não se tem certeza se isso representa realmente uma relação de causa-efeito. Outros agentes infecciosos seriam: Ureaplasma urealiticum, Toxoplasma gondii, Listeria monocytogenes, Mycoplasma hominis, herpes vírus, citomegalovírus e Parvovírus B19.
• Clamydia trachomatis
• Ureaplasma urealiticum
• Toxoplasma gondii
• Listeria monocytogenes
• Mycoplasma hominis
• Herpes vírus
• Citomegalovírus
• Parvovírus B19
2.6. Fatores Imunológicos
2.6.1. Autoimunidade
Os anticorpos antifosfolípídeos, que incluem tanto o anticorpo anticardiolipina como o anticoagulante lúpico, têm sido relacionados à história de abortamentos, perdas fetais, pré-eclâmpsia, sofrimento fetal e trombose em mulheres portadoras ou não de lúpus eritematoso sistêmico. A incidência de testes sorológicos positivos para autoimunidade está aumentada em pacientes com 3 ou mais abortamentos - cerca de 15% (grupo controle:2%).
O tratamento da síndrome antifosfolipídea é feito basicamente com doses baixas de heparina (5.000 UI SC 12-12h) e aspirina (75 a 100mg ácido acetil salicílico diariamente) tão logo haja o diagnóstico de gravidez. O uso de corticóides tem uma tendência a ser abandonado, pois apresenta maiores efeitos colaterais, aumentando a morbidade materna e fetal.
2.6.2. Aloimunidade
Alguns autores levantaram a hipótese de que ocorrem abortamentos devido à incapacidade de algumas mulheres de produzir uma resposta imune adequada para impedir a rejeição materna dos tecidos fetais, e que casais com abortamento de repetição apresentam um número aumentado de antígenos leucocitários (HLA), que impediria essa resposta. Não existem evidências para suportar essa teroria e mais estudos são necessários.
A imunoterapia, com infusão de linfócitos ou imunoglobulina, tem sido o tratamento proposto, entretanto, seu uso é controverso.
• Síndrome antifosfolipídica
• Anticardiolipina
• Anticoagulante lúpico
• Aloimunidade (Antígeno HLA) (?)
2.7 Abortamento de Repetição de Causa Não-Identificada
Em um grande número de mulheres com abortamento habitual não é possível identificar uma causa, apesar da investigação cuidadosa. É importante a identificação desse grupo e a orientação adequada da paciente, devendo informá-la que existe uma chance de 55 a 60% de que uma nova gestação aconteça sem problemas.
Não existem evidências de que quallquer tratamento empírico forneça um melhor prognóstico.

3. Considerações finais
Talvez um dos aspectos mais importantes no tratamento de pacientes com abortamento habitual seja uma relação médico-paciente adequada tanto no período pré-concepção como durante a gestação, que geralmente é cercada de medo e apreensões. A comunicação adequada entre médico e paciente com a exposição de todos os aspectos de seu quadro clínico é tão importante que, em alguns casos, poderá ser terapêutico. É importante entender que as pacientes vivem sob forte tensão, por vezes com sensação de culpa e frustração. E que, se não pudermos fornecer um diagnóstico apurado e um tratamento adequado, que possamos ao menos entender nossa paciente e tentar livrá-la dos medos e complexos inerentes à sua situação.

Autor: Alexandre Otavio Chieppe

Um comentário:

  1. Bom dia senhores,
    meu nome é Temístocles, estou cursando o último ano da graduação em enfermagem.
    Estou há procura de material para o TCC, na área de aborto habitual, gostaria de saber de vcs, se poderiam me ajudar com suas esperiências no asunto.
    É difícil encontra material sobre apoio psicológico a pacientes com diagnóstico de aborto habitual. Agradeço desde já a atenção de vcs, obrigado.
    Meu E-mail é:
    temistocles.gomes@hotmail.com

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